No post de hoje, quero continuar nossa reflexão sobre controle e autenticidade. Anteriormente, falei sobre a ilusão do controle que podemos ter sobre nossa vida e a vida das outras pessoas, e sobre a importância de quebrar o ego para abrir espaço à autenticidade.
Hoje, o tema é aceitar o mundo como ele é. Isso significa acolher tanto suas perfeições quanto suas imperfeições.
Essa reflexão também tem muito a ver com frustrações. Quando nascemos e crescemos neste mundo, somos educados de uma maneira que nos torna bastante críticos, e até rebeldes, em diversos aspectos. Isso não é um problema por si só. O problema surge quando acreditamos que nosso “eu” é superior a ponto de achar que podemos submeter tudo e todos à nossa vontade. E isso, na prática, é impossível.
Essa expectativa de controle é, inclusive, uma das principais causas das frustrações que sentimos. Afinal, vivemos em um mundo com uma enorme pluralidade de culturas, valores e jeitos de ser. Por que, então, insistimos na ideia de que podemos mudar o que já existe?
Aceitar o mundo como ele é não significa conformismo. Significa reconhecer a realidade, abraçar suas nuances e, a partir daí, escolher nossas ações de maneira mais consciente e autêntica.
Relato pessoal: aprender a mudar de lugar quando não cabemos mais
Eu nunca fui conformista. Sempre fui rebelde. O mundo para mim era cheio de regras que considerava inúteis, mas, ao mesmo tempo, também não queria moldá-lo, porque sabia que isso seria impossível. Desde cedo, fui ensinada pelas negativas da vida. Então, a única coisa que eu podia controlar era o que dizia respeito a mim mesma.
Uma coisa que sempre me deixava inconformada era o modo como a criação feminina acontecia. Quando criança, eu pensava: por que nós, meninas, não podíamos correr e brincar como os nossos primos? Por que eu precisava usar brincos, mesmo quando doía e inflamava as minhas orelhas? Por que eu tinha que ficar quieta e não podia ser mais agitada ou brincar à vontade?
A criação feminina foi muito cruel para mim, porque, como criança, eu achava que poderia fazer tudo. Esse é apenas um dos aspectos que muitas crianças, provavelmente todas, sofreram. Na infância, somos submetidas a posições sociais impostas e muitas vezes nos sentimos moldadas por elas.
Já na vida adulta, mesmo sendo rebelde e não me conformando com a realidade, isso me trazia mais desafios. Algumas coisas eu aceitava; outras, não. Por exemplo, podia me conformar com certos comportamentos de pessoas, mas não com processos de trabalho ou regras de um emprego que não faziam sentido para mim. E, mesmo assim, muitas vezes eu continuava ali, dentro daquela estrutura.
Até que um dia percebi: a única coisa que eu realmente podia fazer era me mudar de lugar. Se eu não me sentia bem em determinadas amizades, empregos ou ambientes, como poderia mudar toda uma estrutura ou o modo de ser de outra pessoa? Nem tudo é sobre nós e nem tudo está sob nosso controle.
Às vezes, precisamos começar em empregos ou situações que não fazem sentido para a vida que queremos ter. Mas isso não significa abdicar da nossa identidade. Pelo contrário: muitas vezes, é um passo necessário para a nossa sobrevivência, enquanto criamos estratégias para o próximo passo.
A aceitação, então, é uma habilidade que precisa ser treinada. Não se trata de se moldar ao ambiente e perder a autenticidade, mas de desenvolver jogo de cintura para atravessar certas situações sem renunciar a quem você é.
Aceitar o mundo não é conformismo
Diante das minhas observações sobre o mundo, tenho visto muitas pessoas inconformadas. E eu entendo: de modo geral, o inconformismo vem de problemas sociais reais. É um inconformismo justo, pois muitas vezes essas pessoas simplesmente não aceitam a realidade que lhes foi imposta.
Mas existe uma linha tênue. Quando você utiliza suas frustrações, suas dificuldades ou as injustiças que enfrenta para atacar outras pessoas ou praticar atos imorais, porque não aceita o mundo como ele é, você não está se tornando alguém melhor. Você não está abrindo espaço para a sua autenticidade; você está dando lugar à fúria.
Quando pensei em escrever este post sobre aceitar o mundo como ele é, refleti muito. Aceitar o mundo não é conformismo. Sou totalmente contra a ideia de alguém se conformar com uma situação em que não se sente bem ou confortável. Aceitar o mundo é, na verdade, entender como ele funciona e desenvolver jogo de cintura para atravessar os problemas — porque eles sempre existirão, de uma forma ou de outra.
No mundo, haverá imperfeições, pessoas falhas, discursos ruins e negativos. Mas, ao mesmo tempo, percebo que aqueles que têm discursos positivos, que promovem debates construtivos e buscam transformar a realidade, muitas vezes não são ouvidos, por conta daqueles que semeiam caos.
A história mostra que muitos grupos, como mulheres, negros ou pessoas com deficiência, enfrentaram séculos de opressão. Hoje, vemos, mesmo que pouco, algum progresso, e acredito que o futuro trará avanços ainda maiores para diversos grupos. Isso acontece porque essas pessoas não se conformaram, mesmo enfrentando jornadas difíceis para reconquistar direitos que lhes pertencem.
Então, quando falo sobre aceitar o mundo como ele é, por mais contraditório que pareça, quero dizer que se trata de não bater de frente o tempo todo. É saber agir com moderação e com estratégia, cuidar de si, para que o impacto das dificuldades seja menor.
Estoicismo e autenticidade: encontrando harmonia no presente
No estoicismo, a ideia de aceitar o mundo como ele é significa compreender que o universo é regido pela Logos, uma ordem racional. Embora possamos controlar nossas ações e reações, não temos controle sobre muitos eventos externos.
Essa aceitação se baseia na harmonia com a natureza e na concentração na virtude interna, em vez de se prender à busca de resultados externos que estão fora do nosso alcance. O estoicismo enfatiza que devemos focar em controlar nossas ações e reações, e não tentar controlar eventos externos, porque isso, além de nos distrair, muitas vezes não leva a nada ou demora muito mais do que gostaríamos.
O estoicismo também incentiva viver no presente, concentrando-se no momento atual, ao invés de se preocupar excessivamente com o passado ou o futuro, pois essas preocupações trazem sofrimento que não está sob nosso controle.
Assim, essa busca de mudar o mundo, por mais justa e verdadeira que seja — esse inconformismo que mencionei anteriormente, e com o qual concordo — pode gerar estresse e frustrações para pessoas que ainda não desenvolveram plenamente sua autenticidade. É o mesmo ponto que tratei na edição anterior, sobre a ilusão do controle.
Embora algumas pessoas e grupos estejam conseguindo mudar mentalidades e impactar o mundo, essas conquistas muitas vezes vêm acompanhadas de muito esforço e fatores estressantes que poderiam ser atenuados se a sociedade soubesse dialogar.
Entre opiniões e preconceitos: o desafio da inteligência emocional
Hoje em dia, existe um grande problema relacionado à aceitação das diferenças. Muito se fala sobre aceitar diferenças, mas, na prática, isso nem sempre acontece. Por mais que se discuta a aceitação das diferenças físicas, um debate legítimo e necessário, atualmente há uma grande intolerância das pessoas em relação a diferenças culturais e ideológicas.
Percebo que pouco se fala sobre diferenças ideológicas e de opinião e como elas têm se tornado alvo de preconceito. Falta compreender que a diversidade de pensamentos é tão natural quanto a diversidade racial, religiosa ou cultural. O coerente para o ser humano é buscar essa aceitação.
Por mais que você não concorde com os princípios ou o modo de vida de outra pessoa, isso não significa que a vida dela não faça sentido. Cada indivíduo busca autenticidade e vive de acordo com o que considera certo para si. Se para uma pessoa faz sentido, por que julgar, criticar ou segregar, simplesmente porque não se encaixa na nossa própria visão de mundo?
Lidar com essas diferenças exige um nível elevado de inteligência emocional. E, infelizmente, muitas pessoas não querem desenvolver essa habilidade. Preferem debater para criticar, e não para aprender.
Aprender a se relacionar: consigo e com os outros
E, para concluir, eu gostaria de falar sobre aprender a se relacionar consigo mesmo e com os outros. Muitas pessoas não sabem se relacionar com os outros porque não sabem se relacionar consigo mesmas.
Essa compreensão de si, essa busca por autoconhecimento, é essencial para nos entendermos e, a partir daí, conseguirmos aceitar os outros e suas diferenças. Existe um nível muito grande de ignorância emocional. No passado, havia outras segregações mais evidentes; hoje, parece que a segregação se manifesta fortemente de forma ideológica e intelectual.
Muitas pessoas não se compreendem e não conseguem entender que alguém pode ser feliz vivendo de uma forma diferente da que elas escolheriam, e isso é totalmente compreensível, considerando a pluralidade de diferenças entre os seres humanos. Não conseguir compreender isso de forma lógica revela um nível de incapacidade emocional significativo, e essa falta de inteligência emocional tem adoecido muitas pessoas.
Portanto, eu questiono: será que o problema de fato é que não estamos aceitando o mundo como ele é, por que não aceitamos a nós mesmos?
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