O que a pobreza faz conosco?

by - junho 21, 2025

 


Quem nunca ouviu aquele relato interno que diz: “Você não pode querer mais.”
Eu não lembro a primeira vez que ouvi isso — mas lembro de como eu me senti. Aquelas frases que não precisam ser ditas diretamente, porque estão nas entrelinhas dos olhares, nas pausas dos adultos, nos “conselhos” disfarçados de proteção.

Eu cresci em um lugar onde tudo era contado: o dinheiro, as palavras, até os sonhos. E desejar algo maior do que aquilo que a gente tinha era visto como ingratidão. Humildade era quase um tipo de apagamento. Quanto menos você queria, mais “honesto” parecia ser. Parecia que o sofrimento era um tipo de virtude. Como se viver com pouco fosse mais puro, mais digno.

Lembro de uma vez, criança ainda, dizer que queria morar em outro país. Nem era um plano — era só um pensamento leve, daqueles que nascem quando a gente olha paro céu. A resposta foi curta: “Acorda para realidade.

Quase sempre ouvia isso, e eu fui percebendo que sonhar alto assustava. Eu sempre gostei de coisas “estranhas” par o lugar onde cresci. Música clássica, livros, obras de arte.

Coisas que pareciam deslocadas no meio de vida das pessoas a minha volta. E o que eu sempre ouvia era: “Você tem gosto de rica, mas você é pobre.

Era como se minha identidade precisasse caber na minha renda. Como se gostar de beleza fosse um tipo de traição de classe. E foi aí começou o meu conflito: Como ser quem eu sou num mundo que me ensinou a me moldar o tempo todo?

Por muito tempo, eu tentei caber ali, e quanto mais eu tentava, mais eu desaparecia. Porque querer ser aceita me fazia diminuir. Esquecer.


O problema não era o sonho — era o que me fizeram acreditar sobre ele


Na minha infância, tudo parecia ser possível. Se eu gostasse de algo, minha lógica era simples: "Se eu trabalhar, eu posso conquistar isso." Não existia o “não pode”. Existia o “ainda não”. Eu sabia que não iria ser fácil, mas sempre pensei que se fosse possível, eu queria tentar.

Mas com o passar dos anos, comecei a ouvir tanto que meus desejos eram “coisa de gente rica” que algo em mim quebrou. E quando quebrou, entrou a síndrome do impostor.

Passei a achar que eu precisava pagar para merecer pertencer. Nas amizades, no trabalho, nos ambientes — sempre sentia que eu devia algo, como se minha existência fosse uma dívida aberta. Como se eu só pudesse estar ali oferecendo algo em troca. 

A pobreza, no meu caso, não foi só ausência de dinheiro, foi uma educação emocional baseada na contenção. Na ideia de que gostar de si era egoísmo. Que desejar mais era falta de consciência de classe.

Aos poucos, isso se transformou em algo mais profundo: comecei a acreditar que eu era “demais”. Que eu incomodava. Que eu não podia ter certos gostos. Nem certas ambições. E eu precisava viver de acordo com o que esperavam de mim — ou, pelo menos, não sair demais do esperado.

E foi assim que fui me podando. Silenciosamente. Delicadamente. Mas sempre me cortando um pouco.


A pobreza como identidade imposta


Existe algo que as pessoas não gostam de falar: a pobreza também forma uma estética emocional.
Ela se torna uma persona. Vira filtro de visão e medida de valor. Você aprende que não deve desejar, não deve querer demais e não deve incomodar com a sua ambição. É de senso comum dentro da própria classe que uma pessoa pobre não pode ambicionar. 

“Melhor pouco com Deus do que muito sem Ele.”
“Quem muito quer, tudo perde.”
“Para que isso tudo?”

Quando alguém tenta sair do padrão, vem o julgamento disfarçado de moralidade:

São frases que parecem sábias no primeiro momento, mas que, na prática nos ensinam a ter vergonha de desejar. Começamos a achar que felicidade demais é falta de humildade e que querer algo diferente é deslealdade com as nossas origens.

Mas eu quero dizer uma coisa que precisei de muitos anos para entender: Nós não somos ingratos por querermos mais. Somos humanos, e o nosso desejo é a forma mais viva da esperança.


Quando você começa a se calar para não incomodar


Houve momentos que eu me anulei porque senti que as coisas que eu queria eram demais — demais para aquele ambiente, para aquelas relações, para aquele trabalho.
Então, em diversos momentos eu tentei caber em lugares apertados. E caber demais é desaparecer.

Até nas amizades, eu vivia como se precisasse pedir desculpas por tudo. Me adaptava ao limite dos outros e esquecia dos meus próprios. Mas, lá dentro, uma parte minha nunca se calou completamente. Mesmo pequena, mesmo desacreditada, ela insistia:

“Essas ideias não são suas.Você não precisa repetir o que ouviu.” Era o que eu pensava bem lá no fundo.


A escassez como herança emocional


O problema não é só o que falta, é o que nos fazem acreditar que jamais teremos. A escassez se torna uma mentalidade. E isso passa de geração para geração como se fosse cuidado.

“Seja simples.”
“Não sonhe alto.”
“Quem você pensa que é?”

O resultado? A gente começa a se sabotar. A recusar elogios. A diminuir as nossas conquistas.
A viver no modo sobrevivência, mesmo quando já poderia estar vivendo.

E isso é mais comum do que parece. É um padrão. Um script. Um looping emocional.


Romper com isso dói. Mas não romper dói mais.


Chegou um momento da minha vida em que continuei financeiramente simples, mas emocionalmente decidi parar de ser pobre. Não porque passei a ostentar, mas porque comecei a me curar.

Curar o medo da rejeição. Curar a ideia de que eu precisava merecer para pertencer. Curar a culpa de querer algo bonito para mim e de querer poder viver a vida que eu sempre quis.

Foi nesse momento que entendi: o meu valor não estava em nenhuma conta bancária. Sempre esteve no meu caráter e tudo o que eu precisava era apenas me permitir e aprender a capacidade de não me diminuir para caber em lugares pequenos demais para mim.


O fim do ciclo


Esse texto não é sobre “ter dinheiro” ou “ficar rico”. Não é para você se envergonhar de onde veio. Mas para você não permitir que isso defina onde vai parar. O seu valor não vem da sua origem.

Então, assim como eu, quero que recupere o direito de sonhar, mesmo que ninguém te entenda. Se permita desejar com autenticidade, sem culpa, sem vergonha. O mundo não precisa de mais gente repetindo dores herdadas. Precisa de gente com coragem de quebrar o ciclo.

Se você se viu em alguma dessas linhas…Se alguma parte sua doeu ou se reconheceu… Talvez esteja na hora de voltar para si também. A ruptura começa quando a gente para de repetir — e começa a se escutar.
Mesmo que aos poucos.
Mesmo que tropeçando.
Mesmo que em silêncio.

Mas sempre — sempre — voltando para o nosso centro.

Se você gostou desse post, veja os temas que quero abordar nos próximos posts sobre esse assunto:

  • Traumas de rejeição e abandono
  • Medo da perda
  • Sobre parar de negar seu próprio valor
  • Sobre s desvincular do ego e da falsa sensação de controle
  • Aceitar o mundo como ele é
  • Recusar mediocridades
  • Estabelecer limites
  • Ser autêntico
  • Lidar com dinheiro
  • Ter sonhos ousados
  • Viver o amor-próprio — de verdade
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